Como o lobo se tornou cão

Quase todas as pessoas sabem que o antepassado do cão é o lobo mas apenas uma minoria sabe descrever correctamente como ocorreu o processo dessa evolução.
lobo

Se perguntarmos qual o animal que deu origem ao cão, todas as pessoas vão responder que é o lobo. E se perguntarmos a forma através da qual os lobos evoluíram para cães, a maioria das pessoas dará uma resposta que traduz a seguinte ideia: há milhares de anos atrás, os humanos tiraram lobos bebés dos seus covis e domaram-nos, sendo que, depois, com gerações consecutivas de lobos domados, estes foram-se domesticando progressivamente até darem origem ao cão. Apesar de ser facilmente assimilável, esta ideia está errada.

A verdade é bastante mais interessante e explica-se pela teoria da selecção natural desenvolvida por Charles Darwin: os animais que se adaptam e mudam perante as mudanças do ambiente que os rodeia são aqueles que sobrevivem ao passar do tempo. Assim, há cerca de 15 mil anos atrás, quando o homem começou a viver em aldeamentos, uma população de lobos iria adaptar-se, segundo o método da selecção natural, a viver neste novo ambiente.

Os restos alimentares que se acumulavam à volta das aldeias eram aproveitados por vários animais, como lobos, águias ou ratos. Os lobos, à mínima aproximação do homem, fugiam, dada a sua enorme desconfiança. No entanto, uma fracção da população de lobos cinzentos apresentava uma maior tolerância à presença humana, passando, gradualmente, a viver junto dos aldeamentos. Esta característica inata, que se pode explicar por uma mutação genética, levou a que esta fracção de lobos se isolasse dos restantes e se passasse a reproduzir entre si.

Contudo, os antepassados dos cães dificilmente podiam viver apenas do que encontravam no lixo, pelo que, muito provavelmente, o homem tê-los-á alimentado de livre vontade, participando, desta forma, no longo processo da domesticação.

Com o passar do tempo, a forma original dos lobos cinzentos que possuíam a referida mutação genética foi-se alterando, tornando-se, entre outras coisas, mais pequenos. Estes antepassados do cão, à medida que o seu comportamento se transformava e se aproximava do final do processo de domesticação, foram sendo cada vez mais utilizados pelo homem para funções como a caça ou a guarda.

O cão foi o primeiro animal a ser domesticado, tendo sido descoberto, na Alemanha, um sepultamento deste animal com mais de 14 mil anos, enterrado ao lado de dois seres humanos que seriam certamente os seus donos. Durante todos estes milhares de anos, o cão viveu lado a lado com o homem, atravessando toda a evolução da Humanidade, desde o tempo dos caçadores-colectores até às modernas e movimentadas cidades do século XXI.

Esta evolução ao longo do tempo torna o comportamento dos lobos modernos muito diferente do dos cães domésticos. Se, por um lado, os lobos selvagens são extremamente intolerantes à presença humana, o que se explica pelo facto de os termos perseguido e aniquilado ao longo dos últimos séculos – levando a que os que sobreviveram e se reproduziram sejam, precisamente, os que mais desconfiam de nós –, por outro lado, os lobos domados e que vivem em cativeiro são imprevisíveis, podendo, a qualquer momento, ser agressivos com os seres humanos.

Por tudo isto, facilmente podemos compreender que avaliar o comportamento do cão através da observação do comportamento dos lobos, como é frequente, é um exercício que leva quase sempre a interpretações erradas.

As fotografias deste artigo são da autoria de Manuel Navarro Mena e de Carlos M. García.