Entrevista a Roger Abrantes
- Tópicos: Entrevistas
O Professor Roger Abrantes teve a simpatia de nos conceder uma pequena entrevista. Etólogo reconhecido internacionalmente, escreveu 27 livros até ao momento, sendo o mais recente intitulado de “Animal Training My Way — The Merging of Ethology and Behaviorism”. Em breve, irá reformar-se, deixando para trás uma vida profissional dedicada ao ensino no Ethology Institute Cambridge, a seminários por todo o mundo, ao treino de agentes policiais e de equipas de salvamento, à gestão ambiental marinha, entre outras coisas.
Poderíamos falar com o Professor Roger Abrantes sobre o comportamento de vários animais, desde cavalos até gatos, passando pelos porquinhos da Índia. Mas, como não podia deixar de ser, é sobre o comportamento canino que queremos falar. Afinal, é este o tema que apaixona todos os nossos leitores e sobre o qual todos querem saber mais.
1. Professor, no início da sua carreira surpreendeu o universo do treino canino com o seu livro “Psicologia ao invés da força”, escrito em 1983. Contrariava as métodos violentos que eram utilizados naquela época, levantando criticas por parte de muitos treinadores. No último seminário que deu em Portugal, realizado em Coimbra, defendeu que, actualmente, vivemos o problema inverso, uma vez que a grande maioria dos treinadores condena qualquer tipo de castigo ou, como diz o Professor, inibidor. Quais são os principais problemas que vê nas doutrinas modernas de treino, assentes em métodos que não recorrem a inibidores?
Não há métodos que não usem inibidores, pois isso é uma impossibilidade. Portanto, o primeiro problema é esse mesmo: ignorância ou/e desonestidade intelectual. O segundo problema é a falta de equilíbrio. Claro que temos de tratar bem os animais e usar métodos de modificação de comportamento que sejam cientificamente válidos e eticamente atractivos, mas devemos afastarmo-nos de qualquer extremismo.
Em parênteses, devo dizer que a maioria das pessoas, incluindo os donos de animais e os treinadores, não sabe o que são reforços e inibidores, tendo conceitos completamente errados e prejudiciais.
2. Muitas destas doutrinas ignoram ou rejeitam os conceitos de dominância e de submissão no comportamento canino. Que leitura faz desta posição?
Ignorância, más definições, respostas emotivas e fanatismo. Os conceitos de comportamentos dominantes e submissos estão bem definidos em etologia e são imprescindíveis para explicar o comportamento social. Sem comportamentos dominantes e submissos (como nós definimos em etologia), os conflitos sociais seriam tratados por meio de comportamentos agressivos e medrosos, o que seria altamente prejudicial para os animais, impossibilitando, ainda, relações sociais estáveis e benéficas para todas as partes.
3. Disse também, neste seminário, que “a maioria dos problemas dos cães resulta de reforços errados”. Que reforços são estes e a que tipo de problemas podem dar origem?
Por definição, um comportamento tem de ser reforçado para se manter ou aumentar em frequência, intensidade e duração. Se for inibido, diminui. Portanto, os comportamentos desejáveis ou indesejáveis que vemos são produto de serem reforçados. Qualquer outra explicação é logicamente inválida. Os donos dos cães reforçam involuntariamente e inadvertidamente comportamentos indesejáveis nos seus cães de vários modos, primariamente com a sua linguagem corporal e com diversas expressões vocais.
4. Um dos maiores problemas que leva a que os donos procurem um treinador relaciona-se com a ansiedade por separação. Para aqueles que estão prestes a levar um cachorro para casa, que conselhos daria para evitarem que o seu cão padeça deste problema?
Que leiam o meu livro “Canine Home Alone Problems” onde dou concelhos para evitar o problema e tratá-lo, caso se manifeste.
5. Outro dos grandes problemas que os donos enfrentam relaciona-se com o difícil relacionamento dos seus cães com outros cães. Que medidas devem os donos adoptar para que o seu cão seja equilibrado e possa desfrutar da companhia de outros cães?
Em primeiro lugar, a socialização adequada desde pequeno com outros cães. Em segundo, a estimulação diária adequada e suficiente. Em terceiro, a interacção diária com outros cães saudáveis, tanto fisicamente como de um ponto de vista comportamental.
6. Os passeios constituem uma componente fundamental para o bem-estar de um cão mas nem todos os donos compreendem aquilo em que deve consistir um passeio de qualidade. Que ingredientes considera importantes para que um cão possa tirar o melhor proveito de um passeio?
Boa comunicação com o dono, boas maneiras em público (que o dono lhe deve ter ensinado), possibilidade de estar livre (sem trela), em certa altura do passeio, e também, idealmente, encontrar outros cães e interagir com eles.
7. Viveu em várias partes do mundo, em diferentes continentes, conhecendo culturas tão diferentes como a norte-americana, a inglesa ou a tailandesa. De todas as culturas que conhece, há alguma cujo relacionamento com os animais em geral, e com os cães em particular, seja mais sofisticado? Se sim, porquê?
Basicamente, a relação é a mesma, independentemente da cultura. Todas mostram certos aspectos positivos e negativos. Em geral, os maiores problemas são o antropomorfismo e a ignorância. O mais positivo é o cuidado natural de tomar conta dos animais e de os tratar bem, que podemos encontrar em todas as culturas.
8. Finalmente, para acabarmos esta entrevista, gostaria de lhe fazer uma pergunta um pouco mais abstracta. Costuma dizer-se que “o cão é o melhor amigo do homem”. Não é difícil perceber porquê, uma vez que este animal, para além do apoio emocional, ajuda o ser humano nas mais diversas funções, como o pastoreio, a caça, a detecção de drogas e explosivos, a guarda, a assistência a pessoas portadoras de deficiência, entre muitas outras. Aproveitando o facto de conhecer o comportamento e a história de diversos animais, gostaria de saber, se tivesse que escolher um animal que mereceria o epíteto de “segundo melhor amigo do homem”, que animal escolheria e que razões apresentaria para essa escolha.
O cavalo, sem dúvida, que no meu parecer merece partilhar o primeiro lugar com o cão. Sem o cavalo, que desempenhou funções cruciais para a nossa sobrevivência e evolução, a nossa história teria sido radicalmente diferente.
A fotografia do Professor Roger Abrantes foi retirada do website do Ethology Institute Cambridge – Animal Behavior and Learning.