Cesar millan, um encantador de cães?
Quase todos conhecem Cesar Millan e muitos inspiram-se nos ensinamentos deste “encantador de cães”. Desde 2004, ano em que começou a sua série televisiva através do National Geographic Channel, que as técnicas de Cesar têm chegado aos ecrãs de todo o mundo, tornando-o mais influente que qualquer outro treinador ou especialista em comportamento canino. Estarão, porém, estas técnicas e ensinamentos correctos?
Embora seja exagerado defender que tudo o que o Cesar ensina esteja errado, a verdade é que a resposta a esta pergunta é, segundo os especialistas em psicologia e comportamento canino mais credenciados internacionalmente (como, por exemplo, Ian Dunbar ou Karen Pryor), negativa. Nós próprios, até aprendermos um pouco mais sobre estas matérias, fomos confessos admiradores deste “encantador de cães”. E passámos, também, por esse sentimento de desilusão que nos assola quando nos apercebemos que o exemplo de uma das nossas referências não deve, afinal, ser seguido.
Toda a doutrina moderna sobre comportamento e treino canino assenta no reforço positivo e na rejeição do castigo positivo, praticado por Cesar Millan. Ou seja, um cão deve ser estimulado através de recompensas (como, por exemplo, biscoitos ou festas), para adoptar o comportamento desejado e qualquer punição física (como, por exemplo, palmadas), deve ser posta de parte. Embora possa suprimir um comportamento, a punição física não resolve as suas causas, podendo degenerar num aumento da agressividade canina.
Por outro lado, Cesar Millan adopta sempre o mesmo método para lidar com todos os cães, ignorando potenciais problemas de saúde que podem estar na base dos problemas comportamentais de um determinado cão. Este método assenta na teoria clássica da dominância, cada vez mais obsoleta, que parte de estudos de alcateias que vivem em cativeiro e cujo comportamento difere muito das alcateias que vivem em liberdade. Conceitos como “submissão” ou “dominância”, que todos gostamos muito de usar, não servem para explicar o comportamento canino e levam muitos donos a adoptar uma postura autoritária e até agressiva para com os seus cães, pensando que lhes estão a transmitir a ideia de que são eles o líder da matilha.
Outro dos muitos ensinamentos errados que passam nesta série relaciona-se com os passeios. Cesar tem toda a razão quando diz que o exercício físico é fundamental. Mas quando aconselha os donos a colocarem a coleira na parte de cima do pescoço para que (com a trela) os donos possam mais facilmente controlar os movimentos do cão, impedindo-os de cheirar aquilo que querem, está a ignorar o estímulo psicológico que os cães devem ter e que é tão importante como o físico. Durante os passeios, os cães devem poder cheirar aquilo que querem, desenvolvendo o seu mais precioso instrumento: o olfacto.
De facto, para corrigir determinados comportamentos indesejados não basta uma ou duas sessões, nem um ou dois encantamentos, que apenas abafarão o problema que acabará por voltar a surgir mais tarde. É preciso tempo para encontrar a causa do comportamento e para extingui-lo.
Uma última nota apenas: antes de lançar esta série, a National Geographic Channel enviou alguns episódios ao Dr. Andrew Luescher, um veterinário reconhecido pelos seus conhecimentos sobre comportamento canino, para que fizesse a sua avaliação sobre os métodos de Cesar. No entanto, a opinião do Dr. Andrew foi ignorada pelo canal de televisão, que manteve a sua aposta neste programa. Para quem esteja interessado, pode ler a resposta do veterinário da Universidade de Purdue através deste link.
As fotografias deste artigo foram retiradas do website do Cesar Millan e de um artigo do NY Times.